Você Falou Comigo?

Você Falou Comigo?
É Que Eu Estava MESMO Te Ignorando!!

terça-feira, 17 de março de 2015

"Bem-Vindo Ao Mundo Real", Ou "Isso É O Que Realmente Penso De Você, Raphael!"

Domingo, dia 15/Março, 2015. Naquele dia, naquela noite após um dia péssimo e de mau agouro, escrevi no status de minha página pessoal da rede social mais popular desta época:

“Bela época pra se pensar em sair do país”, ou algo assim.

Aí, o pós-doutor que vive na Europa e que nunca teve um pingo de consciência política, muito menos ideológica, e que considera sociólogos e pessoas da área de Humanas “vagabundas”, o pós-doutor que já viveu de bolsa, mas que agora é muito bem pago pra lecionar e dar palestras até para Chefes de Estado, o pós-doutor que adora ostentar seus caros álbuns em quadrinhos e os incríveis shows de rock que já foi na Europa, o pós-doutor que sempre tem um comentário ácido sobre os gostos musicais e de leitura das outras pessoas, me posta o seguinte:

“- Bem-vindo ao mundo real!”

Depois de uma amarga troca de impressões, fiz um ataque pessoal e ele se sentiu visivelmente ofendido. Despediu-se com um lacônico “um abraço”, me acusando de não saber do que eu estou falando e eu, logo em seguida, desfiz a “amizade” com ele, que é como as pessoas adultas resolvem as coisas nesta geração. Começo a crer que nunca houve amizade alguma, com ou sem aspas.
O sentimento de amargor, de ressentimento, de solidão e isolamento por achar que não tenho mais amigos e por achar que os antigos amigos estão distantes demais, não só em termos geográficos, mas também emocionalmente, me deixam sem sono e com uma compulsão em fumar.
Esse é meu mundo real, pós-doutor.
Tem sido difícil o suficiente crescer e envelhecer em uma cidade, a mesma de onde você saiu e para onde vim por escolha de minha mãe, sem que antigos conhecidos façam escárnio da minha condição. A cidade que pelo visto cria cabeças como a sua, que não suportam variedade de ideias e que usam demais do conceito juvenil do “perco o amigo, mas não perco uma piada”. A cidade que volta e meia me lembra de que não vou construir coisa alguma por aqui. A cidade de onde você saiu, aparentemente para sempre, onde outros como você se reúnem em churrascos anuais para desfilarem sua prepotência e insipidez de garotos de elite que nunca cresceram, e que ainda se consideram universitários imaturos e de senso de humor perverso.
Esse é meu mundo real, onde as poucas pessoas com quem ando preferem fazer sempre as mesmas coisas, sair com as mesmas pessoas, ir aos mesmos lugares e se isolar em reduzidíssimos grupos pra beber cerveja nos fins de semana e passar metade do tempo olhando para as telas de seus celulares, como se a conversa não estivesse agradando, ou como se a companhia não fosse suficiente. No meu mundo real, eu não tenho amigos, na interpretação mais básica do termo: eu tenho muitos conhecidos com quem saio pra beber, e para conversas onde, frequentemente, sou interrompido por algum gracejo de alguém sem muita graça ou, novamente, pra alguém checar religiosamente o celular quando a conversa não o agrada.
O mundo real, onde amigos seus mantêm um contato tenso e neurótico entre si desde a faculdade através de uma estúpida lista de discussão, na qual o mérito, aparentemente, consiste em ser mais imbecil e deliberadamente estúpido. O mundo real onde continuo a ser um fracassado, pelos seus padrões, e um merda, um corrupto, um bandido, um subversivo e aproveitador, de acordo com os padrões de gente como você.
O mundo real, onde apesar do desprezo que você sente, certamente, por mim e por meus semelhantes, é o mesmo mundo real onde você nunca assumiu publicamente esse sentimento, me fazendo pensar que eu sempre tive um amigo em você. E é essa covardia que mais me corrói, feito uma úlcera. É essa certeza de que, a partir de agora, nunca mais vou olhar pro passado e me lembrar de você com respeito ou carinho, pois mesmo sendo uma pessoa de temperamento volúvel, também fui muito paciente e tolerante, minha vida toda, com pessoas como você, que, pelo visto, sempre me consideraram uma espécie de atração de circo fora da jaula, um selvagem educado para conversar e parecer uma boa pessoa, como vocês.
Nesse seu mundo real, eu não vou ser manso a vida inteira. Alguns de vocês, pós-doutor, deveriam se preocupar mais com que tipo de impressão vocês deixam no mundo ao seu redor.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Grande Divisão

Nem bem começo a escrever, e já sinto preguiça. Todas as facilidades tecnológicas ao meu redor, a possibilidade de ser lido, e ainda assim é um fardo abrir uma página em branco e registrar alguns parágrafos. E pensar que na época dos cadernos de pautas apertadas e manchas de caneta esferográfica das páginas opostas, eu sonhava em ter mais fluidez e propósito.
É um dia chuvoso. Eu deveria estar fora de casa envolvido em pseudo-compromissos com pessoas com quem não deveria ter me envolvido. Ao invés disso fiquei em casa tendo pensamentos mórbidos.
A vida por aqui tem sido assim: pouco a ser lembrado e menos ainda que distinga um dia do outro. Tudo é o mesmo de sempre. Não consigo mais me lembrar com clareza de quando foi diferente.

Pouco tempo atrás eu conheci essa mulher. A mais interessante, melhor conversa que mantive com outro ser humano em vários anos. Do tipo que quase me instigou a esperar algo mais, algo... além. E, como sempre, a impressão durou pouco. Tenho um filtro tão cinzento e míope diante dos olhos que me impede de enxergar muito além, no meu futuro provável. As pessoas, todas elas, parecem apenas possibilidades não-realizáveis. Enfim, durante algumas horas em uma noite de domingo, compartilhamos uma mesa de bar e nos divertimos e rimos juntos e eu cheguei até a esquecer do que me assombra. Foi como se eu tivesse sido posto nesse mundo e crescido pra ser alguém comum, com todos os direitos a amar e interagir garantidos por um acordo tácito de privilégios aos quais não tive muito acesso. Foi como se eu fosse adulto, branco e feliz. Eu a agradeço, silenciosamente, por isso. Por ter me tirado de casa naquela noite, e principalmente, por ter me feito enxergar uma vida paralela onde me relaciono com pessoas mais saudáveis, em vez do triste círculo de homens supostamente maduros, de sexualidade dúbia e péssimo senso de humor. Mas, acima de tudo, agradeço pela companhia feminina, tão bem-vinda e valiosa pra esse cara feio e fracassado.
Estou entrando em outra fase de isolamento, de auto-comiseração e provável afastamento de pessoas e circunstâncias, algo que sempre me faz mal. Nunca saio dessas fases ileso, sempre me forço a aceitar coisas sobre a espécie humana que, se fosse menos inteligente ou menos empático, nem mesmo notaria. Poderia passar a vida satisfeito nessa zona fantasma onde sentimentos reais são abafados em nome da auto-afirmação dos outros em detrimento da minha. Onde me sujeito à companhia de quem tem carro pra me levar aonde nem sempre quero ir. Na verdade, sendo quem sou, sendo O QUE sou, posso fazer muito pouco a respeito disso, a não ser aceitar. Minha máscara permanece ajustada e firme, e ainda preciso dela.

À beira dos quarenta e dois anos, tenho pensado muito na morte. Em um momento único e sublime, quando fosse levado por uma correnteza suave, porém resoluta, através da Grande Divisão, até a Fonte de tudo que há. É capaz de todas as minhas melhores possibilidades estarem lá, de onde não se volta.