Nem bem começo a escrever, e já sinto
preguiça. Todas as facilidades tecnológicas ao meu redor, a possibilidade de
ser lido, e ainda assim é um fardo abrir uma página em branco e registrar
alguns parágrafos. E pensar que na época dos cadernos de pautas apertadas e
manchas de caneta esferográfica das páginas opostas, eu sonhava em ter mais
fluidez e propósito.
É um dia chuvoso. Eu deveria estar fora de
casa envolvido em pseudo-compromissos com pessoas com quem não deveria ter me
envolvido. Ao invés disso fiquei em casa tendo pensamentos mórbidos.
A vida por aqui tem sido assim: pouco a ser
lembrado e menos ainda que distinga um dia do outro. Tudo é o mesmo de sempre. Não
consigo mais me lembrar com clareza de quando foi diferente.
Pouco tempo atrás eu conheci essa mulher. A
mais interessante, melhor conversa que mantive com outro ser humano em vários
anos. Do tipo que quase me instigou a esperar algo mais, algo... além. E, como
sempre, a impressão durou pouco. Tenho um filtro tão cinzento e míope diante
dos olhos que me impede de enxergar muito além, no meu futuro provável. As pessoas,
todas elas, parecem apenas possibilidades não-realizáveis. Enfim, durante
algumas horas em uma noite de domingo, compartilhamos uma mesa de bar e nos
divertimos e rimos juntos e eu cheguei até a esquecer do que me assombra. Foi como
se eu tivesse sido posto nesse mundo e crescido pra ser alguém comum, com todos
os direitos a amar e interagir garantidos por um acordo tácito de privilégios
aos quais não tive muito acesso. Foi como se eu fosse adulto, branco e feliz. Eu
a agradeço, silenciosamente, por isso. Por ter me tirado de casa naquela noite,
e principalmente, por ter me feito enxergar uma vida paralela onde me relaciono
com pessoas mais saudáveis, em vez do triste círculo de homens supostamente
maduros, de sexualidade dúbia e péssimo senso de humor. Mas, acima de tudo,
agradeço pela companhia feminina, tão bem-vinda e valiosa pra esse cara feio e
fracassado.
Estou entrando em outra fase de isolamento,
de auto-comiseração e provável afastamento de pessoas e circunstâncias, algo
que sempre me faz mal. Nunca saio dessas fases ileso, sempre me forço a aceitar
coisas sobre a espécie humana que, se fosse menos inteligente ou menos
empático, nem mesmo notaria. Poderia passar a vida satisfeito nessa zona
fantasma onde sentimentos reais são abafados em nome da auto-afirmação dos
outros em detrimento da minha. Onde me sujeito à companhia de quem tem carro
pra me levar aonde nem sempre quero ir. Na verdade, sendo quem sou, sendo O QUE
sou, posso fazer muito pouco a respeito disso, a não ser aceitar. Minha máscara
permanece ajustada e firme, e ainda preciso dela.
À beira dos quarenta e dois anos, tenho
pensado muito na morte. Em um momento único e sublime, quando fosse levado por uma
correnteza suave, porém resoluta, através da Grande Divisão, até a Fonte de
tudo que há. É capaz de todas as minhas melhores possibilidades estarem lá, de
onde não se volta.
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