Você Falou Comigo?

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É Que Eu Estava MESMO Te Ignorando!!

sexta-feira, 6 de março de 2015

Grande Divisão

Nem bem começo a escrever, e já sinto preguiça. Todas as facilidades tecnológicas ao meu redor, a possibilidade de ser lido, e ainda assim é um fardo abrir uma página em branco e registrar alguns parágrafos. E pensar que na época dos cadernos de pautas apertadas e manchas de caneta esferográfica das páginas opostas, eu sonhava em ter mais fluidez e propósito.
É um dia chuvoso. Eu deveria estar fora de casa envolvido em pseudo-compromissos com pessoas com quem não deveria ter me envolvido. Ao invés disso fiquei em casa tendo pensamentos mórbidos.
A vida por aqui tem sido assim: pouco a ser lembrado e menos ainda que distinga um dia do outro. Tudo é o mesmo de sempre. Não consigo mais me lembrar com clareza de quando foi diferente.

Pouco tempo atrás eu conheci essa mulher. A mais interessante, melhor conversa que mantive com outro ser humano em vários anos. Do tipo que quase me instigou a esperar algo mais, algo... além. E, como sempre, a impressão durou pouco. Tenho um filtro tão cinzento e míope diante dos olhos que me impede de enxergar muito além, no meu futuro provável. As pessoas, todas elas, parecem apenas possibilidades não-realizáveis. Enfim, durante algumas horas em uma noite de domingo, compartilhamos uma mesa de bar e nos divertimos e rimos juntos e eu cheguei até a esquecer do que me assombra. Foi como se eu tivesse sido posto nesse mundo e crescido pra ser alguém comum, com todos os direitos a amar e interagir garantidos por um acordo tácito de privilégios aos quais não tive muito acesso. Foi como se eu fosse adulto, branco e feliz. Eu a agradeço, silenciosamente, por isso. Por ter me tirado de casa naquela noite, e principalmente, por ter me feito enxergar uma vida paralela onde me relaciono com pessoas mais saudáveis, em vez do triste círculo de homens supostamente maduros, de sexualidade dúbia e péssimo senso de humor. Mas, acima de tudo, agradeço pela companhia feminina, tão bem-vinda e valiosa pra esse cara feio e fracassado.
Estou entrando em outra fase de isolamento, de auto-comiseração e provável afastamento de pessoas e circunstâncias, algo que sempre me faz mal. Nunca saio dessas fases ileso, sempre me forço a aceitar coisas sobre a espécie humana que, se fosse menos inteligente ou menos empático, nem mesmo notaria. Poderia passar a vida satisfeito nessa zona fantasma onde sentimentos reais são abafados em nome da auto-afirmação dos outros em detrimento da minha. Onde me sujeito à companhia de quem tem carro pra me levar aonde nem sempre quero ir. Na verdade, sendo quem sou, sendo O QUE sou, posso fazer muito pouco a respeito disso, a não ser aceitar. Minha máscara permanece ajustada e firme, e ainda preciso dela.

À beira dos quarenta e dois anos, tenho pensado muito na morte. Em um momento único e sublime, quando fosse levado por uma correnteza suave, porém resoluta, através da Grande Divisão, até a Fonte de tudo que há. É capaz de todas as minhas melhores possibilidades estarem lá, de onde não se volta.

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